sábado, 28 de maio de 2016



RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS E DOS 
HOSPITAIS INTEGRALMENTE PÚBLICOS EM CASO DE MORTE
                                                            
                                                             Priscila Souza da Rosa[1]
                                              
RESUMO
No mundo em que vivemos de enorme dinamismo nas relações entre os indivíduos, cotidianamente se verificam eventos danosos, aos quais cabe imprescindivelmente o lesado ser reparado. Dai surge a responsabilidade civil, tentando fazer a vítima retornar ao seu estado anterior do dano. Para declarar a indenização é indispensável a relação de causalidade entre o dano e  a conduta do agente, sendo que em alguns casos o agente pode não ter tido culpa, mas responderá por tal. Assim acontece com os hospitais públicos, ou seja, responderão sempre objetivamente, tema de extrema importância nos dias atuais visto o valor de muitos tratamentos de saúde que nos fazem buscar direito garantido constitucionalmente. Diante dessa problemática, trata o presente artigo da responsabilidade civil, que arraigado em pesquisa de doutrina e jurisprudências, com enfoque no profissional de medicina e nos hospitais integralmente públicos, pode-se concluir que apesar de ser uma cláusula pétrea o direito à saúde, quando negligenciado por profissionais da área, muito se luta com pouco retorno de efetiva reparação.

PALAVRAS-CHAVE:

Responsabilidade. Dano. Indenização. Saúde.

INTRODUÇÃO
A todo instante o ser humano está correndo risco, afinal, vivendo em sociedade, estamos todos interagindo e, de qualquer forma, nossas atitudes atacarão situações, interesses e bens de outras pessoas para melhor, ou pior.
Diante dessa reflexão, o presente artigo veio à luz por um motivo bem delineado e atualmente necessitado de obras que tragam à mente do cidadão uma frequente dúvida, qual seja a pergunta onde muitas vezes não se sabe ao certo a resposta: “De quem é a responsabilidade?”. Quando da convivência temos nossa situação piorada temos que saber como retorná-la ao estado anterior específico, ou a tornar novamente por equivalente.
O estudo possibilitou ainda algo mais marcante e instigante, pois proporcionou a curiosidade para alargar os tópicos logo trabalhados. Alargou-se o tema para a de repente dúvida, mas, no caso do referido trabalho, serviu ainda mais como instinto para o saber, serviu para adentrarmos na responsabilização específica dos médicos e hospitais integralmente públicos em caso de morte.
Tentar compreender o instituto da temática dita é, indubitavelmente, uma tarefa problemática, ante a expansão das consequências que o profissional da saúde pode sofrer diante das suas ações ou omissões. E, ainda mais, suas atitudes refletem no Estado, visto que esse é o responsável por zelar os cidadãos que se utilizam de seus serviços.

CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Os princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, elencados no artigo 3º, da CF/88, segundo os quais se constituem em objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, não podem deixar de moldar os contornos da responsabilidade civil, especialmente em relação a critérios objetivos de reparação e de desenvolvimento de mecanismos de segurança social.[2]
O homem convive em sociedade. Da mesma forma que a sociedade não pode prescindir dos seus integrantes, ele necessita da convivência grupal para realizar a sua tarefa evolutiva. Naturalmente que os desequilíbrios ocorridos no meio social ou em seus integrantes acarretam abalos nos alicerces que compõem a estrutura do organismo comunitário. “El no causar daño a los demás es, quizá, la más importante regla de las que gobiernan la convivência humana.”[3]
A responsabilidade civil pode ser ensejada na imputação de obrigação dada a um agente a reparar o dano causado a outrem, por fato do próprio agente (direto), natural ou jurídico, ou por fato de pessoas ou coisas que dependam do agente (indireto). “Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar”.[4]
Sem a ocorrência do elemento dano ou prejuízo, não existirá responsabilidade civil, seja ela contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido dolosa.
“Nesses termos, poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado- patrimonial ou não-, causado por ação ou omissão do sujeito infrator” [5]
O dano deve ademais ser reparado, pois, caso contrário levará a uma inquietude social. Isso faz então com que os ordenamentos contemporâneos busquem alcançar cada vez mais novos horizontes do campo do dever de indenizar. Esses novos campos abrangem questões de índole jurídica, religiosa, ética, etc. Outro efeito desse conteúdo é que a responsabilidade com culpa, ou subjetiva, torna-se secundaria, enquanto que a objetiva ganha mais espaço visto à dificuldade em diversas situações de provar culpa por parte das vítimas.
A famosa Lei de Talião já denotava uma forma de reagir a um mal. A diferença é que naquela época se reagia com violência, praticamente na mesma medida, bem como dizia o ditado “olho por olho”. Acontece que, nas palavras de Cavalieri Filho (2000, p. 24), citado por Venosa [6] “O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça”.
José de Aguiar Dias[7] concebe uma ideia precisa a respeito desse tema, ao ensinar, com profundidade:

Resta rigorosamente sociológica a noção da responsabilidade como aspecto da realidade social. Decorre dos fatos sociais, é fato social. Os julgamentos da responsabilidade (por exemplo: a condenação do assassino ou do ladrão membro da família que a desonrou) são reflexos individuais, psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação de responsabilidade.

O Código Civil atual trata com profundidade a responsabilidade civil no artigo 927 e seguintes. A definição do que seja ato ilícito é fornecida no art. 186, onde intitula que mesmo exclusivamente moral, quem, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, viola e causa dano, comete ato ilícito.

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

A responsabilidade contratual acontece quando determinada pessoa causa um prejuízo a outra em razão de descumprir uma obrigação contratual. Nela o agente descumpre o acordado, se tornando assim inadimplente. O nosso Código Civil atual de 2002, elenca em seus artigos 395 e seguintes e 389 e seguintes, tal responsabilidade.
A responsabilidade contratual também abrange o inadimplemento ou ora relativos a qualquer obrigação, ainda que oriunda de um negócio jurídico unilateral (como testamento, procuração ou ainda uma promessa de recompensa) ou mesmo da lei (caso de obrigação de alimentos, por exemplo).
A responsabilidade extracontratual é aquela que deriva de um ilícito extracontratual, também conhecida como responsabilidade ‘’aquiliana’’ (vem tratada no artigo 186 do nosso Código Civil), nela o agente fere um dever legal, eis que não existe nenhum vinculo jurídico existente entre a vítima e o causador do dano.

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

Muitos são os motivos de haver risco e, consequentemente, tantas vezes dano. Alguns desses motivos que podemos citar são os avanços tecnológicos, econômicos e científicos, ocorridos no século passado, após a Segunda Guerra Mundial, que desencadearam essa forma de responsabilização.
A responsabilidade civil objetiva independe de culpa, mas não dispensará o nexo causal. No Direito mais recente, a teoria da responsabilidade objetiva é justificada tanto sob o prisma do risco quanto sob o dano, ou seja, não se indenizará apenas pelos riscos, mas também pelo dano causado. Para gerar o direito à indenização, deverá a vítima provar o nexo causal e o dano sofrido.
 O dano poderá ter efeito indireto, não será necessário refletir imediatamente do fato que o produziu. Basta que se verifique que se o fato não tivesse acontecido o dano não ocorreria.
Maria Helena Diniz[8] nos apresenta claramente o liame necessário para entendimento desse requisito indispensável à responsabilização: “O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível”.

Assim, eventual ruptura no vínculo causal que impeça se concluir a ligação entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima importa em irresponsabilidade civil daquele que foi tido como o causador do prejuízo. [9]

O número de situações em que a responsabilização será objetiva tem crescido, em especial, pela publicação do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, em 1990, onde estabelece a responsabilidade objetiva como regra para todas as relações de consumo.
“Os direitos do consumidor surgem como forma de proteção do individuo perante o desenvolvimento que as sociedades de consumo atingiram.”[10]. A referida proteção se espraia por praticamente todos os campos, podendo então ser chamado de direito social essa aplicação que o CDC abrange.
Não se pode olvidar que qualquer legislação do direito privado, e também parte do direito público, devem ser harmonizadas com os princípios consumeristas em situações de relação de consumo. Segundo Sergio Cavalieri Filho[11] “relação de consumo é a relação jurídica contratual ou extracontratual, que tem numa ponta o fornecedor de produtos e serviços e na outra o consumidor; é aquela realizada entre o fornecedor e o consumidor tendo por objeto a circulação de produtos e serviços”. Pode-se afirmar, assim como Venosa[12], ao mencionar Sergio Cavalieri Filho (2000, p.28) que o CDC introduziu uma nova área de responsabilidade, a qual recém visto chamada de responsabilidade nas relações de consumo, que é “tão vasta que não haveria nenhum exagero em dizer estar hoje a responsabilidade civil dividida em duas partes: a responsabilidade tradicional e a responsabilidade nas relações de consumo”.  Essa inovação trouxe a noção de parte vulnerável no contrato.
Contudo, a regra geral trazida no caput do artigo 927 do Código em vigor, é a da responsabilidade subjetiva. A responsabilidade objetiva ou sem culpa, será aplicada em exceção, somente quando a lei expressar a autorização ou no julgamento, for facultado pelo parágrafo único do art. 927.

RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

Na responsabilidade subjetiva, o centro é o ato ilícito e o elemento subjetivo que gera o dever de indenizar é a imputabilidade do agente. Está atrelada à noção do fator culpa, ou seja, implicara na vontade do agente em causar consequência lesiva a outrem. O detalhe é de ter que haver nexo de causalidade entre a conduta e o damnum.
Em regra todo aquele que causar dano a outrem fica obrigado a reparar o prejuízo causado. O art. 159 do Código de 1916 e o art. 186 do Código de 2002 elegeram a culpa como o centro da responsabilidade subjetiva, norteando a responsabilidade civil no direito brasileiro, em conjunto com a perspectiva do art. 927, parágrafo único.
No regime da responsabilidade subjetiva, a vítima deverá demonstrar se o agente do dano tinha a intenção de praticar o ato danoso, se a sua conduta foi imprudente, negligente ou imperita, o nexo causal existente entre a conduta do agente e o dano causado e, finalmente, o dano efetivamente ocorrido.

FUNÇÕES E IMPORTÂNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

É pressuposto da responsabilidade civil que haja relação jurídica entre a pessoa que sofreu o prejuízo e a que deve repara-lo. A obrigação de ressarcir o prejuízo originar-se-á mediante a inexecução de contrato ou de lesão a direito subjetivo.
A responsabilidade civil tem dupla função: garantir o direito do lesado e servir como sanção civil; a principal função é ressarcir os prejuízos da vítima, também chamada de função-garantia, a qual “decorre da necessidade de segurança jurídica que a vitima possui, para o ressarcimento dos danos por ela sofridos”[13]. De outro lado, a sanção civil serve para compensar em favor da vítima a ofensa sofrida á norma jurídica imputável ao agente causador do dano.
“Tanto a responsabilidade civil subjetiva como a objetiva cumprem a função de compensação”[14]
A compensação normalmente é constituída mediante pecúnia. Cabe ressaltar que o prejuízo sofrido será ressarcido tanto quanto for o dano, ou seja, quando for patrimonial não haverá motivos de se operar enriquecimento da vítima. Mas, há casos em que o prejuízo é extrapatrimonial, havendo então a dor moral, hipótese em que é insuscetível avaliação de valores, cabendo assim, sempre enriquecimento do sujeito ativo, pois o dinheiro pago pelo devedor não tem relação nenhuma com redução do patrimônio do credor.
A responsabilidade civil subjetiva tem uma característica exclusiva, qual seja possuir função sancionatória. Por outro lado, a responsabilidade civil quando objetiva, cumpre também a função de socialização de custos. ‘’Os exercentes de algumas atividades podem distribuir entre os beneficiários delas as repercussões econômicas dos acidentes, mesmo que não tenham nenhuma culpa por eles. ’’[15]
 A ordem jurídica tem por objetivo tentar garantir a todos os sujeitos a preservação de seus direitos patrimoniais ou da personalidade, isso no sentido de assegurar sua recomposição sempre que imputável.
A importância da responsabilidade civil nos tempos atuais é garantir o equilíbrio violado a outrem. Esse instituto tanto quanto possível restitui ao prejudicado o status quo ante, principio dominante do assunto em espécie. Mas o que norteia a responsabilidade civil, tendo como principal importância é o poder de compelir os homens e fazer com que esses observem e respeitem as regras de convivência, sendo que a sua finalidade é impedir que perpetrem danos à sociedade, impondo sanções pela inobservância dessas regras.

DISTINÇÃO ENTRE OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL

Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento de certa prestação. É uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito que se extingue pelo cumprimento, tem por objetivo uma prestação economicamente aferível.

A obrigação nasce de diversas fontes e deve ser cumprida livre e espontaneamente. Quando tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, surge a responsabilidade. Não se confundem, pois, obrigação e responsabilidade. Esta só surge se o devedor não cumpre espontaneamente a primeira. A responsabilidade é, pois, a consequência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional.[16]  

RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

            Desde quando o Código Civil de 1916 era vigente já se percebia que a responsabilidade civil era subjetiva pelos danos causados pela atividade médica, assim estabelece o art. 1545 do mesmo diploma legal:

                                     Os médicos cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer os danos, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.[17]

              Sendo assim, imprudência é simplesmente não ter cautela na prática de uma ação irrefletida ou precipitada, resultante de imprevisão do agente em relação ao ato que podia e devia pressupor. Na imprudência existe a culpa comissiva, ou seja, o profissional age com atitudes não justificadas ou ainda precipitadas.
Negligência é a falta de diligência, implicando desleixo ou preguiça, falta de cuidado, essa que pode ser capaz de determinar a responsabilidade por tal culpa.
Imperícia, a ignorância, a incompetência, o desconhecimento, inexperiência ou ainda não ter habilidade em sua profissão.
          O Código Civil atual de 2002 discorre em seu artigo 951 sobre a reafirmação sobre tal     responsabilidade, aplicando indenização por quem, em atividade profissional, negligenciar, ser imprudente ou imperito, causando morte, agravando o mal, causando lesão ou inabilitar o paciente ao trabalho:
            O mesmo posicionamento sobre a responsabilidade civil dos profissionais da saúde ser subjetiva, manteve o Código de Defesa ao Consumidor.
             A obrigação dos médicos é de meio, não de resultado. Mesmo usando os instrumentos para diagnósticos mais avançados, empregando as técnicas mais aprimoradas que existem no campo da medicina, algumas enfermidades não podem ser curadas, eis que o mesmo tratamento pode surtir efeito positivo em certo paciente e em outro o resultado pode ser totalmente diverso.
               É simplesmente humanamente impossível obrigar o médico a determinado resultado, obriga-se ele somente a adotar os procedimentos recomendados pela medicina e seu código de ética em seu Artigo 6º, como por exemplo, informar seus pacientes dos benefícios e riscos que ele corre adotando tal procedimento indicado.
              Vale salientar que em tempos antigos se responsabilizava o chefe da equipe médica pela culpa dos demais profissionais, mas hoje em dia, no trabalho de uma equipe, cada profissional responde pelos seus próprios atos, não solidariamente pela imperícia alheia, tendo em vista que cada profissional tem uma especialização médica, cada área tem sua complexidade.
Assim explica Maria Helena Diniz: [18]

                                 Em uma cesariana, por exemplo, o cirurgião obstetra ocupa-se dos procedimentos relacionados com a liberação do bebê do útero, cortando o cordão umbilical, sua atenção volta-se exclusivamente á mãe, o pediatra neonatal responsabiliza-se pela recepção do recém-nascido. No que toca ao anestesista esse cuida tão somente do fluxo anestésico e monitora funções vitais do paciente, por isso da extrema importância de que cada membro da equipe médica se concentre em sua função.

 A imputação da responsabilidade desses profissionais da saúde a um deles pelo trabalho do outro pressupõe um dever de fiscalização, por tudo incompatível com a divisão de tarefas recomendadas pelas modernas técnicas cirúrgicas. À luz do art. 14, §4º do Código de Defesa ao consumidor, a responsabilidade dos profissionais liberais é individual, ainda que trabalhem em equipe.

A RESPONSABILIDADE DOS CIRURGIÕES PLÁSTICOS

Aqui se encontra a exceção, eis a obrigação que o médico contrai é de resultado, ou seja, os pacientes na maioria dos casos de cirurgias estéticas não se encontram doentes, mas sim pretendem corrigir um problema estético, sendo assim, o que lhes interessa é o resultado. Caso o paciente fique com aspecto pior após a cirurgia, não alcançando o resultado em que constituía a razão de ser do contrato, cabe-lhe o direito da pretensão indenizatória.
            Da cirurgia que não foi bem sucedida surge a obrigação indenizatória pelo resultado não alcançado, indenização esta que abrange geralmente todas as despesas efetuadas mais danos morais, este em razão do prejuízo estético, bem como verba para posteriores tratamentos ou ainda outras possíveis cirurgias.

PROVA DA CULPA

Quando não provada a culpa do profissional na adoção dos procedimentos recomendados pela ciência médica, o dano deve ser suportado pelo próprio paciente. A prova do dolo ou da imperícia cabe em regra a vítima, mas em vista da grande complexidade do tema e em atenção ao princípio da indenidade, o juiz deverá determinar a inversão do ônus da prova com base no art.6º, VIII do Código de Defesa ao Consumidor sempre que verossímil a alegação apresentada.
Caso não se exija da vítima que prove a culpa do médico que a atendeu, esse deverá demonstrar que agiu exatamente como recomenda a medicina. Não se trata de uma presunção de culpa estabelecida na lei para toda e qualquer demanda de indenização por erro médico, mas de inversão que o juiz pode ou não determinar os elementos levados em conta pela vítima nos autos do processo. Caso sejam inverossímeis as alegações, não existe lugar ao ônus probatório.

O SISTEMA ÚNICO DE SAUDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O SUS (Sistema único de Saúde) foi criado no ano de 1988 pela Constituição da República Federativa do Brasil, e regulamentado pela lei 8080/90, para que toda população tenha atendimento médico gratuito, sem fazer distinção ao cidadão que contribui com a previdência social e o não contribuinte. É considerado um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, atendendo desde um simples procedimento ambulatorial até grandes transplantes de órgãos.
           O SUS na Constituição Federal por Zenaide Neto Aguiar:

O sistema único de Saúde (SUS) é o sistema de saúde oficial brasileiro, estabelecido formalmente a partir da Constituição Federal de 1988. A sua inscrição na Carta Magna atacou as proposições da sociedade civil organizada, incorporando mudanças no papel do Estado e alterando de forma significativa o arcabouço jurídico-institucional do sistema público de saúde brasileiro, pautando-se por um conjunto de princípios e diretrizes válidos para todo território nacional. É composto pelo conjunto organizado e articulado de serviços e ações de saúde integrantes das organizações públicas de saúde das esferas municipal, estadual e federal, além dos serviços privados como complementares. [19]

O SUS tem seus princípios baseados na Lei 8080, criada em 19 de setembro de 1990, norteada no artigo 198 da Constituição:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais:
III - participação da comunidade.

Segundo entendimento jurisprudencial o SUS responde objetivamente junto com o poder público perante terceiros, por ser prestador de serviço a pessoa jurídica independente de ser esta de direito público ou privado. Esse entendimento norteia - se no artigo 37, §6º da Constituição Federal:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
RESPONSABILIDADE.CIVIL. ERRO MÉDICO. ATENDIMENTO PELO SUS. PERFURAÇÃO DA ALÇA INTESTINAL. PERITONITE. ÓBITO DA MÃE E COMPANHEIRA DOS AUTORES. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA DIAGNOSTICAR A EVOLUÇÃO DO QUADRO DA PACIENTE, QUE SE AGRAVOU QUANDO INTERNADA NO HOSPITAL PRESTADOR DE SERVIÇO PÚBLICO. PERDA DE UMA CHANCE. CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. Apelação provida com base no art. 37, §6º da CF, responsabilidade objetiva do estado onde o SUS também responde objetivamente, eis que a paciente deixou de ser atendida, valor da condenação fixada a titulo de danos morais R$ 1500.000,00 mais pensionamento de 60% do salário mínimo na época do óbito. (Apelação Cível Nº 70057823767, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 31/01/2014).

          O Sistema único de Saúde representa um direito social garantido constitucionalmente elencado no art. 6º, da Constituição Federal, tendo como um dos princípios de base a dignidade da pessoa humana e, ainda por ser um Estado democrático de Direito, tem como objeto principal superar as desigualdades sociais e ainda tenta realizar a tão desejada justiça social.  
Cada vez mais se detecta a omissão de ocorrências na saúde pública em que evidenciamos que o Estado não está bem aparelhado para atender a demanda imensurável de cidadãos que dependem desse sistema de saúde, de forma integral, gratuita e igualitária. Por consequência dessa problemática o Poder Judiciário, como guardião da lei maior, intervém fazendo com que o Estado cumpra seu dever constitucionalmente imposto.
Doenças mais complexas como câncer, doenças cardiovasculares, que necessitam de medicamentos de última geração, acabam por pressionar cada vez mais o custo do sistema público, eis que são tratamentos que a maioria dos planos de saúde acabam por não custear, alegando não fazer parte do plano contratado.
Grande parte da população brasileira não tem como custear estes altos valores de tratamentos com recursos próprios- ainda aqueles já mencionados que têm planos de saúde, mas a cobertura não é integral-, de outra banda, mesmo os que têm plano privado, acabam por processar o Estado em busca da real efetivação do direito à saúde mencionado na carta maior, e o poder judiciário vem fiscalizando o poder executivo. Isto tudo para que não sobrecarreguem o SUS ou ainda os cofres públicos, eis que ambos são provedores de tais recursos.
Como se sabe, a saúde é um direito indiscutível. O Poder judiciário vem concedendo muitas liminares a pacientes de risco, para que estes possam ter tal tratamento necessitado; o descumprimento dessas decisões do judiciário sujeita o Poder Executivo ao pagamento de multa diária, essa com valores bem significativos. Dito isso, entende-se que seria menos oneroso ao Estado que cumprisse seu dever constitucional conforme acordado, sem que o cidadão precisasse fazer uso de seu direito através do judiciário. 

HOSPITAL PÚBLICO EM CASO DE MORTE

         A responsabilidade do Estado quando presta serviços públicos é objetiva, encontrando sustentação na teoria do risco administrativo e descrição no art. 37, §6º, da Constituição Federal.
               Com base nesses dispositivos mencionados, SÍLVIO DE SALVO VENOSA[20] cita o presente caso:

Indenização pretendida por danos morais, buscando a responsabilização do Hospital por danos morais e materiais, em razão do falecimento de paciente, marido e genitor dos autores, foi verificada a prestação de serviço defeituoso, responsabilidade objetiva do hospital, nos termos do art. 14 CDC, por não ter realizado o procedimento de endoscopia de emergência, imediato necessário ao adequado diagnóstico. Situação essa que nos permite aplicar a teoria da perda de uma chance, critério essa que deve ser empregado para quantificação da compensação pela perda de uma oportunidade que não se confunde com a indenização cabível para que as hipóteses em que a responsabilidade do dano é totalmente imputada ao réu. Afastou-se os danos   materiais. Arbitramento de compensação Por danos morais, em razão do sofrimento inegável decorrente da perda de um ente querido, também limitado ao critério supramencionado. Valor fixado ao apelante em R$40.800,00 que se mostra adequado. Sucumbência mantida. Recurso parcialmente provido’’ (TJ SP-AP. 0109291-45.2008.8.26.0004, 18/07/2013, Rel. João Pazine Neto.)  

Conforme a ótica do art. 14, caput do CDC, o hospital enquadra-se entre os fornecedores de serviços e responde independentemente de culpa. Isto porque a relação que se forma entre o estabelecimento hospitalar e seus usuários, é um relação de consumo, como tal deve ser tratada, pois nada mais faz o hospital do que oferecer seus serviços aos que dele necessitem. Quando se tratar de serviços médicos prestados pelo hospital como fornecedor de serviços, a apuração da responsabilidade independe da inexistência de culpa.
   Segundo PABLO STOLZE GAGLIANO[21]

Essa regra da responsabilidade objetiva é taxativa, pois se aplica também aos hospitais filantrópicos (100% SUS), eis que atividades com intuito assistencial não afasta a responsabilidade pelo dever geral de vigilância e eleição de que deve manter com seus profissionais.

Assim, tratando-se de direito à saúde e a vida humana, estes resguardados constitucionalmente como garantia fundamental irreiterável, a circunstância dos serviços prestados serem gratuitos não diminui o dever de a entidade hospitalar assegurar os direitos do paciente.
Nessa perspectiva, segue o entendimento da 4º turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, no processo 1999.011.050.983-9, que condenou o Estado do Distrito Federal a pagar R$40.000,00 de indenização para a família de uma servidora morta em um hospital publico por negligencia de um auxiliar de enfermagem. A vítima reclamava de coceira no pescoço e o prescrito era aplicação de 0,3 milímetros de adrenalina, por via subcutânea, mas foi aplicado 3 milímetros na veia, ocasionado a morte de Sebastiana Monteiro dos Santos. O Distrito Federal alegou caso fortuito e culpa exclusiva do auxiliar de enfermagem, entretanto os desembargadores entendem ser responsabilidade objetiva o Estado ter que reparar o dano causado a terceiro e se tratar de negligencia do profissional, sendo então rejeitada a alegação de caso fortuito.
 O código de Defesa ao Consumidor é muito claro em assegurar que só se utiliza o sistema alicerçado no fato culpa para responsabilizar pessoalmente o profissional liberal, enquanto que a responsabilização do hospital será apreciada coletivamente. Ou seja, os médicos que mantém vínculo empregatício com pessoas de direito público ou privado, em que a reparação será suportada pelos referidos estabelecimento, estes têm direito de regresso, reavendo, daquele por quem pagou no que houver pagado de seus subordinados.

CONCLUSÃO

Nota-se que a evolução histórica que se deu desde a noção de que deveria fazer o mal contra o mal até a atual, onde se puni basicamente para sanar o dano, se faz extremamente necessária à sociedade em geral, principalmente porque o Estado passou a intervir nos conflitos privados, retirando o poder de fazer justiça com as próprias mãos.
Com a transformação da sociedade decorrente da tecnologia, ciência e diversos fatores surgiram também novos ataques ao patrimônio e à pessoa. E, conclusivamente, é incabível não retornar quem sofreu algum dano a sua situação anterior a este.
Obviamente haverá danos com maior sensibilidade e que deverão ser sanados imediatamente, como no caso da pessoa que procura os serviços do profissional da medicina quando se encontra com problemas de saúde e, mais drasticamente, em casos de risco de vida. O cuidado se encontra na aplicação da responsabilidade do médico, sendo que sua profissão não é uma matemática livre de erros e somente poderá ser responsabilizado quando agir de modo imprudente, negligente ou imperito. Ademais, essa relação estabelece uma obrigação de meio, sendo necessário o emprego de métodos adequados, atenção e zelo necessários, sem a garantia de cura.
Em casos de atendimento em hospital público a questão se faz ainda mais delicada por ser imposta ao Estado a responsabilidade objetiva, por determinação constitucional expressa em seu artigo 36, §7°.
O expressivo aumento das demandas judiciais acerca do tema demonstra a necessidade de maior valoração a toda e qualquer atitude do ser humano, fato que justifica os julgadores não corroborarem com a irresponsabilidade perante o outro de qualquer cidadão.

CIVIL LIABILITY OF THE DOCTORS AND THE INTEGRALLY PUBLIC HOSPITALS IN DEATH CASE

ABSTRACT

In the world where we live of enormous dynamism in the relations between the individuals daily if they verify harmful events, which fit the injured one essentially to be repaired. From there the civil liability appears, trying to make the victim to return to its previous state of the damage. To declare the indemnity the relation of causality between the damage and the behavior of the agent is indispensable, being that in some cases the agent can not have had guilt, but will answer for such. Thus it happens with the public hospitals, that is, will always answer objective, subject of extreme importance in the current days visa the value of much treatment of health that in makes them to search right guaranteed constitutionally. Ahead this problematic one, it deals with the present article of the civil liability, with approach in the professional of medicine and the integrally public hospitals.

KEY WORDS:
Responsibility. Damage. Indemnity. Health.



[1] Estudante de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul, 9° semestre. E-mail: priscilaunisc@hotmail.com.
[2] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 175-6.
[3] YAGUEZ, Pedro, Responsabilidad civil, vol. 2, 1989, p. 21.
[4] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 14. ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 21.
[5] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona, NOVO CURSO DE Direito Civil, 11. Ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 82.
[6] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 14. Ed., São Paulo: Atlas, 2014, p.20.
[7] Da responsabilidade civil, 5ª ed., vol. II, p. 367.
[8] Curso de DIREITO CIVIL BRASILEIRO,19. Ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 109.
[9] LISBOA, Roberto Senise, MANUAL ELEMENTAR DE DIREITO CIVIL, 2. Ed., vol. 2, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 201.
[10] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 14. Ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 252.
[11] Programa de resonsabilidade civil, 5. Ed., Editora Malheiros, p. 468.
[12] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 14. Ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 14.

[13] LISBOA, Roberto Senise, MANUAL ELEMENTAR DE DIREITO CIVIL, 2. Ed., vol. 2, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 182
[14] COELHO, Ulhoa. Curso de direito civil, obrigações e responsabilidade civil, 5. Ed., Saraiva, 2012, p. 287.
[15] Ibid, p. 287.
[16] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, Ed. 2011, vol. 4, p. 43.
[17] GAGLIANO, Pablo Stolze;  FILHO, Pamplona Rodolfo, Direito Civil- Responsabilidade Civil, vol.3, Editora Saraiva, São Paulo, 11ª Ed., 2013, p.  267.
[18] DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil- Responsabilidade Civil, Vol. 03. Editora: Saraiva. 16ª Ed. 2002, p.336
[19] AGUIAR, Zenaide Neto. SUS- Sistema Único de Saúde. Antecedentes, percursos, perspectivas e desafios. 1° Ed., 2011: Martinari, p.43.

[20] VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil- Responsabilidade Civil, vol.4, Editora Atlas, 2014, p.42
[21] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Direito Civil- Responsabilidade Civil, Vol. 3. Editora Saraiva, 2013. p.279.



domingo, 22 de maio de 2016

USUCAPIÃO URBANO

Temos no Brasil algumas situações onde o possuidor de um imóvel pode requerer a propriedade do mesmo por meio de uma ação de Usucapião, dentre várias possibilidades, as mais usadas são:

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA
Requisitos:
É necessária a posse mansa e continua, contudo, não se exige boa-fé ou justo título (não exige prova de compra).
Prazo de posse contínua deve ser de 15 anos para bem imóvel;
*** Este prazo pode ser reduzido para 10 anos se o possuidor residir no imóvel ou nele exercer alguma atividade produtiva.

USUCAPIÃO ORDINÁRIA/COMUM
Além de posse mansa, pacífica e contínua
a) Boa-fé;
b) Justo Título;
***obs: O justo título em todos os casos de usucapião ocorre com a apresentação de qualquer documento demonstrativo da legitimidade da posse, desde que, quando particular, tenha a assinatura de duas testemunhas. Ex: contrato de compra e venda.
Prazo de posse contínua deverá ser de 10 anos para bens imóveis;

USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL HABITACIONAL 

Requisitos:
a) Não se exige boa-fé ou justo título;
b) O imóvel URBANO não pode ultrapassar 250 m²;
c) O possuidor não pode ser titular de outro imóvel seja ele rural ou urbano.
Prazo de posse contínua de no mínimo 5 anos.

As provas de posso são formadas por documentos (correspondências, fotos, certidões, declarações, etc) e testemunhas.

Os clientes que procuram nosso escritório recebem orientações detalhadas de toda documentação necessária, e são auxiliados na busca dos mesmos.


 

 

sábado, 14 de maio de 2016

O "quebra molas"

Falta de sinalização em quebra-molas resulta em indenização a acidentado. Decisão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), assim decidiu em um caso onde um motociclista se acidentou ao cair após chocar-se com um "quebra-molas" sem sinalização e construído em desacordo com as normas do DENATRAN.


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