RESPONSABILIDADE CIVIL DOS
MÉDICOS E DOS
HOSPITAIS INTEGRALMENTE PÚBLICOS EM CASO DE MORTE
Priscila Souza da Rosa[1]
RESUMO
No mundo em que vivemos de enorme dinamismo nas relações entre os
indivíduos, cotidianamente se verificam eventos danosos, aos quais cabe
imprescindivelmente o lesado ser reparado. Dai surge a responsabilidade civil,
tentando fazer a vítima retornar ao seu estado anterior do dano. Para declarar
a indenização é indispensável a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente, sendo que em alguns
casos o agente pode não ter tido culpa, mas responderá por tal. Assim acontece
com os hospitais públicos, ou seja, responderão sempre objetivamente, tema de
extrema importância nos dias atuais visto o valor de muitos tratamentos de
saúde que nos fazem buscar direito garantido constitucionalmente. Diante dessa
problemática, trata o presente artigo da responsabilidade civil, que arraigado
em pesquisa de doutrina e jurisprudências, com enfoque no profissional de
medicina e nos hospitais integralmente públicos, pode-se concluir que apesar de
ser uma cláusula pétrea o direito à saúde, quando negligenciado por
profissionais da área, muito se luta com pouco retorno de efetiva reparação.
PALAVRAS-CHAVE:
Responsabilidade. Dano. Indenização.
Saúde.
INTRODUÇÃO
A todo instante o ser humano está correndo
risco, afinal, vivendo em sociedade, estamos todos interagindo e, de qualquer
forma, nossas atitudes atacarão situações, interesses e bens de outras pessoas
para melhor, ou pior.
Diante dessa reflexão, o presente artigo veio
à luz por um motivo bem delineado e atualmente necessitado de obras que tragam
à mente do cidadão uma frequente dúvida, qual seja a pergunta onde muitas vezes
não se sabe ao certo a resposta: “De quem é a responsabilidade?”. Quando da
convivência temos nossa situação piorada temos que saber como retorná-la ao
estado anterior específico, ou a tornar novamente por equivalente.
O estudo possibilitou ainda algo mais marcante
e instigante, pois proporcionou a curiosidade para alargar os tópicos logo
trabalhados. Alargou-se o tema para a de repente dúvida, mas, no caso do
referido trabalho, serviu ainda mais como instinto para o saber, serviu para
adentrarmos na responsabilização específica dos médicos e hospitais
integralmente públicos em caso de morte.
Tentar compreender o instituto da temática
dita é, indubitavelmente, uma tarefa problemática, ante a expansão das
consequências que o profissional da saúde pode sofrer diante das suas ações ou
omissões. E, ainda mais, suas atitudes refletem no Estado, visto que esse é o
responsável por zelar os cidadãos que se utilizam de seus serviços.
CONCEITO
DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Os
princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, elencados no
artigo 3º, da CF/88, segundo os quais se constituem em objetivos fundamentais
da República a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, não
podem deixar de moldar os contornos da responsabilidade civil, especialmente em
relação a critérios objetivos de reparação e de desenvolvimento de mecanismos
de segurança social.[2]
O
homem convive em sociedade. Da mesma forma que a sociedade não pode prescindir
dos seus integrantes, ele necessita da convivência grupal para realizar a sua
tarefa evolutiva. Naturalmente que os desequilíbrios ocorridos no meio social
ou em seus integrantes acarretam abalos nos alicerces que compõem a estrutura
do organismo comunitário. “El no causar
daño a los demás es, quizá, la más importante regla de las que gobiernan la
convivência humana.”[3]
A
responsabilidade civil pode ser ensejada na imputação de obrigação dada a um
agente a reparar o dano causado a outrem, por fato do próprio agente (direto),
natural ou jurídico, ou por fato de pessoas ou coisas que dependam do agente
(indireto). “Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o
dever de indenizar”.[4]
Sem
a ocorrência do elemento dano ou prejuízo, não existirá responsabilidade civil,
seja ela contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva. Tanto é assim
que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido dolosa.
“Nesses
termos, poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um
interesse jurídico tutelado- patrimonial ou não-, causado por ação ou omissão
do sujeito infrator” [5]
O
dano deve ademais ser reparado, pois, caso contrário levará a uma inquietude
social. Isso faz então com que os ordenamentos contemporâneos busquem alcançar
cada vez mais novos horizontes do campo do dever de indenizar. Esses novos
campos abrangem questões de índole jurídica, religiosa, ética, etc. Outro
efeito desse conteúdo é que a responsabilidade com culpa, ou subjetiva,
torna-se secundaria, enquanto que a objetiva ganha mais espaço visto à
dificuldade em diversas situações de provar culpa por parte das vítimas.
A
famosa Lei de Talião já denotava uma forma de reagir a um mal. A diferença é
que naquela época se reagia com violência, praticamente na mesma medida, bem
como dizia o ditado “olho por olho”. Acontece que, nas palavras de Cavalieri
Filho (2000, p. 24), citado por Venosa [6] “O anseio de obrigar o
agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento
de justiça”.
José de Aguiar Dias[7] concebe uma ideia precisa
a respeito desse tema, ao ensinar, com profundidade:
Resta rigorosamente sociológica a noção da responsabilidade como aspecto
da realidade social. Decorre dos fatos sociais, é fato social. Os julgamentos
da responsabilidade (por exemplo: a condenação do assassino ou do ladrão membro
da família que a desonrou) são reflexos individuais, psicológicos, do fato
exterior social, objetivo, que é a relação de responsabilidade.
O
Código Civil atual trata com profundidade a responsabilidade civil no artigo
927 e seguintes. A definição do que seja ato ilícito é fornecida no art. 186,
onde intitula que mesmo exclusivamente moral, quem, por ação ou omissão
voluntária, negligencia ou imprudência, viola e causa dano, comete ato ilícito.
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E
EXTRACONTRATUAL
A
responsabilidade contratual acontece quando determinada pessoa causa um
prejuízo a outra em razão de descumprir uma obrigação contratual. Nela o agente
descumpre o acordado, se tornando assim inadimplente. O nosso Código Civil
atual de 2002, elenca em seus artigos 395 e seguintes e 389 e seguintes, tal
responsabilidade.
A
responsabilidade contratual também abrange o inadimplemento ou ora relativos a
qualquer obrigação, ainda que oriunda de um negócio jurídico unilateral (como
testamento, procuração ou ainda uma promessa de recompensa) ou mesmo da lei
(caso de obrigação de alimentos, por exemplo).
A
responsabilidade extracontratual é aquela que deriva de um ilícito
extracontratual, também conhecida como responsabilidade ‘’aquiliana’’ (vem
tratada no artigo 186 do nosso Código Civil), nela o agente fere um dever
legal, eis que não existe nenhum vinculo jurídico existente entre a vítima e o
causador do dano.
RESPONSABILIDADE
CIVIL OBJETIVA
Muitos
são os motivos de haver risco e, consequentemente, tantas vezes dano. Alguns
desses motivos que podemos citar são os avanços tecnológicos, econômicos e
científicos, ocorridos no século passado, após a Segunda Guerra Mundial, que
desencadearam essa forma de responsabilização.
A
responsabilidade civil objetiva independe de culpa, mas não dispensará o nexo
causal. No Direito mais recente, a teoria da responsabilidade objetiva é
justificada tanto sob o prisma do risco quanto sob o dano, ou seja, não se
indenizará apenas pelos riscos, mas também pelo dano causado. Para gerar o
direito à indenização, deverá a vítima provar o nexo causal e o dano sofrido.
O
dano poderá ter efeito indireto, não será necessário refletir imediatamente do
fato que o produziu. Basta que se verifique que se o fato não tivesse
acontecido o dano não ocorreria.
Maria Helena Diniz[8]
nos apresenta claramente o liame necessário para entendimento desse requisito
indispensável à responsabilização: “O vínculo entre o prejuízo e a ação
designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação,
diretamente ou como sua consequência previsível”.
Assim, eventual ruptura no vínculo causal que impeça se concluir a
ligação entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima importa em irresponsabilidade
civil daquele que foi tido como o causador do prejuízo. [9]
O
número de situações em que a responsabilização será objetiva tem crescido, em
especial, pela publicação do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, em
1990, onde estabelece a responsabilidade objetiva como regra para todas as
relações de consumo.
“Os
direitos do consumidor surgem como forma de proteção do individuo perante o
desenvolvimento que as sociedades de consumo atingiram.”[10]. A referida proteção se
espraia por praticamente todos os campos, podendo então ser chamado de direito
social essa aplicação que o CDC abrange.
Não
se pode olvidar que qualquer legislação do direito privado, e também parte do
direito público, devem ser harmonizadas com os princípios consumeristas em
situações de relação de consumo. Segundo Sergio Cavalieri Filho[11] “relação de consumo é a
relação jurídica contratual ou extracontratual, que tem numa ponta o fornecedor
de produtos e serviços e na outra o consumidor; é aquela realizada entre o
fornecedor e o consumidor tendo por objeto a circulação de produtos e serviços”.
Pode-se afirmar, assim como Venosa[12], ao mencionar Sergio
Cavalieri Filho (2000, p.28) que o CDC introduziu uma nova área de
responsabilidade, a qual recém visto chamada de responsabilidade nas relações
de consumo, que é “tão vasta que não haveria nenhum exagero em dizer estar hoje
a responsabilidade civil dividida em duas partes: a responsabilidade
tradicional e a responsabilidade nas relações de consumo”. Essa inovação trouxe a noção de parte
vulnerável no contrato.
Contudo,
a regra geral trazida no caput do artigo 927 do Código em vigor, é a da responsabilidade
subjetiva. A responsabilidade objetiva ou sem culpa, será aplicada em exceção,
somente quando a lei expressar a autorização ou no julgamento, for facultado pelo
parágrafo único do art. 927.
RESPONSABILIDADE
CIVIL SUBJETIVA
Na
responsabilidade subjetiva, o centro é o ato ilícito e o elemento subjetivo que
gera o dever de indenizar é a imputabilidade do agente. Está atrelada à noção
do fator culpa, ou seja, implicara na vontade do agente em causar consequência
lesiva a outrem. O detalhe é de ter que haver nexo de causalidade entre a
conduta e o damnum.
Em
regra todo aquele que causar dano a outrem fica obrigado a reparar o prejuízo
causado. O art. 159 do Código de 1916 e o art. 186 do Código de 2002 elegeram a
culpa como o centro da responsabilidade subjetiva, norteando a responsabilidade
civil no direito brasileiro, em conjunto com a perspectiva do art. 927,
parágrafo único.
No
regime da responsabilidade subjetiva, a vítima deverá demonstrar se o agente do
dano tinha a intenção de praticar o ato danoso, se a sua conduta foi
imprudente, negligente ou imperita, o nexo causal existente entre a conduta do
agente e o dano causado e, finalmente, o dano efetivamente ocorrido.
FUNÇÕES
E IMPORTÂNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
É
pressuposto da responsabilidade civil que haja relação jurídica entre a pessoa
que sofreu o prejuízo e a que deve repara-lo. A obrigação de ressarcir o
prejuízo originar-se-á mediante a inexecução de contrato ou de lesão a direito
subjetivo.
A
responsabilidade civil tem dupla função: garantir o direito do lesado e servir
como sanção civil; a principal função é ressarcir os prejuízos da vítima,
também chamada de função-garantia, a qual “decorre da necessidade de segurança
jurídica que a vitima possui, para o ressarcimento dos danos por ela sofridos”[13]. De outro lado, a sanção
civil serve para compensar em favor da vítima a ofensa sofrida á norma jurídica
imputável ao agente causador do dano.
“Tanto
a responsabilidade civil subjetiva como a objetiva cumprem a função de
compensação”[14]
A
compensação normalmente é constituída mediante pecúnia. Cabe ressaltar que o
prejuízo sofrido será ressarcido tanto quanto for o dano, ou seja, quando for
patrimonial não haverá motivos de se operar enriquecimento da vítima. Mas, há
casos em que o prejuízo é extrapatrimonial, havendo então a dor moral, hipótese
em que é insuscetível avaliação de valores, cabendo assim, sempre
enriquecimento do sujeito ativo, pois o dinheiro pago pelo devedor não tem
relação nenhuma com redução do patrimônio do credor.
A
responsabilidade civil subjetiva tem uma característica exclusiva, qual seja
possuir função sancionatória. Por outro lado, a responsabilidade civil quando
objetiva, cumpre também a função de socialização de custos. ‘’Os exercentes de
algumas atividades podem distribuir entre os beneficiários delas as
repercussões econômicas dos acidentes, mesmo que não tenham nenhuma culpa por
eles. ’’[15]
A ordem jurídica tem por objetivo tentar
garantir a todos os sujeitos a preservação de seus direitos patrimoniais ou da
personalidade, isso no sentido de assegurar sua recomposição sempre que
imputável.
A
importância da responsabilidade civil nos tempos atuais é garantir o equilíbrio
violado a outrem. Esse instituto tanto quanto possível restitui ao prejudicado
o status quo ante, principio
dominante do assunto em espécie. Mas o que norteia a responsabilidade civil,
tendo como principal importância é o poder de compelir os homens e fazer com
que esses observem e respeitem as regras de convivência, sendo que a sua
finalidade é impedir que perpetrem danos à sociedade, impondo sanções pela
inobservância dessas regras.
DISTINÇÃO
ENTRE OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL
Obrigação
é o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o
cumprimento de certa prestação. É uma relação de natureza pessoal, de crédito e
débito que se extingue pelo cumprimento, tem por objetivo uma prestação
economicamente aferível.
A
obrigação nasce de diversas fontes e deve ser cumprida livre e espontaneamente.
Quando tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, surge a responsabilidade.
Não se confundem, pois, obrigação e responsabilidade. Esta só surge se o
devedor não cumpre espontaneamente a primeira. A responsabilidade é, pois, a
consequência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional.[16]
RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
Desde quando o Código
Civil de 1916 era vigente já se percebia que a responsabilidade civil era
subjetiva pelos danos causados pela atividade médica, assim estabelece o art.
1545 do mesmo diploma legal:
Os médicos cirurgiões, farmacêuticos, parteiras
e dentistas são obrigados a satisfazer os danos, sempre que da imprudência,
negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação
de servir, ou ferimento.[17]
Sendo assim, imprudência
é simplesmente não ter cautela na prática de uma ação irrefletida ou
precipitada, resultante de imprevisão do agente em relação ao ato que podia e
devia pressupor. Na imprudência existe a culpa comissiva, ou seja, o
profissional age com atitudes não justificadas ou ainda precipitadas.
Negligência é a falta de diligência, implicando desleixo ou preguiça,
falta de cuidado, essa que pode ser capaz de determinar a responsabilidade por
tal culpa.
Imperícia, a ignorância, a incompetência, o desconhecimento, inexperiência
ou ainda não ter habilidade em sua profissão.
O Código Civil atual de
2002 discorre em seu artigo 951 sobre a reafirmação sobre tal responsabilidade, aplicando indenização
por quem, em atividade profissional, negligenciar, ser imprudente ou imperito,
causando morte, agravando o mal, causando lesão ou inabilitar o paciente ao
trabalho:
O mesmo posicionamento
sobre a responsabilidade civil dos profissionais da saúde ser subjetiva,
manteve o Código de Defesa ao Consumidor.
A obrigação dos médicos é de meio,
não de resultado. Mesmo usando os instrumentos para diagnósticos mais
avançados, empregando as técnicas mais aprimoradas que existem no campo da
medicina, algumas enfermidades não podem ser curadas, eis que o mesmo
tratamento pode surtir efeito positivo em certo paciente e em outro o resultado
pode ser totalmente diverso.
É simplesmente
humanamente impossível obrigar o médico a determinado resultado, obriga-se ele
somente a adotar os procedimentos recomendados pela medicina e seu código de
ética em seu Artigo 6º, como por exemplo, informar seus pacientes dos benefícios
e riscos que ele corre adotando tal procedimento indicado.
Vale salientar que em
tempos antigos se responsabilizava o chefe da equipe médica pela culpa dos
demais profissionais, mas hoje em dia, no trabalho de uma equipe, cada
profissional responde pelos seus próprios atos, não solidariamente pela
imperícia alheia, tendo em vista que cada profissional tem uma especialização
médica, cada área tem sua complexidade.
Assim explica Maria Helena Diniz: [18]
Em uma cesariana,
por exemplo, o cirurgião obstetra ocupa-se dos procedimentos relacionados com a
liberação do bebê do útero, cortando o cordão umbilical, sua atenção volta-se
exclusivamente á mãe, o pediatra neonatal responsabiliza-se pela recepção do recém-nascido.
No que toca ao anestesista esse cuida tão somente do fluxo anestésico e
monitora funções vitais do paciente, por isso da extrema importância de que
cada membro da equipe médica se concentre em sua função.
A imputação da responsabilidade desses
profissionais da saúde a um deles pelo trabalho do outro pressupõe um dever de
fiscalização, por tudo incompatível com a divisão de tarefas recomendadas pelas
modernas técnicas cirúrgicas. À luz do art. 14, §4º do Código de Defesa ao
consumidor, a responsabilidade dos profissionais liberais é individual, ainda
que trabalhem em equipe.
A RESPONSABILIDADE DOS CIRURGIÕES
PLÁSTICOS
Aqui se encontra a exceção, eis a
obrigação que o médico contrai é de resultado, ou seja, os pacientes na maioria
dos casos de cirurgias estéticas não se encontram doentes, mas sim pretendem
corrigir um problema estético, sendo assim, o que lhes interessa é o resultado.
Caso o paciente fique com aspecto pior após a cirurgia, não alcançando o resultado
em que constituía a razão de ser do contrato, cabe-lhe o direito da pretensão
indenizatória.
Da cirurgia que não
foi bem sucedida surge a obrigação indenizatória pelo resultado não alcançado,
indenização esta que abrange geralmente todas as despesas efetuadas mais danos
morais, este em razão do prejuízo estético, bem como verba para posteriores
tratamentos ou ainda outras possíveis cirurgias.
PROVA DA CULPA
Quando não provada a culpa do profissional na adoção dos procedimentos
recomendados pela ciência médica, o dano deve ser suportado pelo próprio
paciente. A prova do dolo ou da imperícia cabe em regra a vítima, mas em vista
da grande complexidade do tema e em atenção ao princípio da indenidade, o juiz
deverá determinar a inversão do ônus da prova com base no art.6º, VIII do
Código de Defesa ao Consumidor sempre que verossímil a alegação apresentada.
Caso não se exija da vítima que prove a culpa do médico que a atendeu,
esse deverá demonstrar que agiu exatamente como recomenda a medicina. Não se
trata de uma presunção de culpa estabelecida na lei para toda e qualquer
demanda de indenização por erro médico, mas de inversão que o juiz pode ou não
determinar os elementos levados em conta pela vítima nos autos do processo.
Caso sejam inverossímeis as alegações, não existe lugar ao ônus probatório.
O
SISTEMA ÚNICO DE SAUDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O
SUS (Sistema único de Saúde) foi criado no ano de 1988 pela Constituição da
República Federativa do Brasil, e regulamentado pela lei 8080/90, para que toda
população tenha atendimento médico gratuito, sem fazer distinção ao cidadão que
contribui com a previdência social e o não contribuinte. É considerado um dos
maiores sistemas públicos de saúde do mundo, atendendo desde um simples
procedimento ambulatorial até grandes transplantes de órgãos.
O SUS na Constituição Federal por Zenaide Neto Aguiar:
O sistema único de Saúde (SUS) é o sistema de saúde oficial brasileiro,
estabelecido formalmente a partir da Constituição Federal de 1988. A sua
inscrição na Carta Magna atacou as proposições da sociedade civil organizada,
incorporando mudanças no papel do Estado e alterando de forma significativa o
arcabouço jurídico-institucional do sistema público de saúde brasileiro,
pautando-se por um conjunto de princípios e diretrizes válidos para todo
território nacional. É composto pelo conjunto organizado e articulado de
serviços e ações de saúde integrantes das organizações públicas de saúde das
esferas municipal, estadual e federal, além dos serviços privados como
complementares. [19]
O
SUS tem seus princípios baseados na Lei 8080, criada em 19 de setembro de 1990,
norteada no artigo 198 da Constituição:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais:
III - participação da comunidade.
Segundo entendimento jurisprudencial o SUS responde
objetivamente junto com o poder público perante terceiros, por ser prestador de
serviço a pessoa jurídica independente de ser esta de direito público ou
privado. Esse entendimento norteia - se no artigo 37, §6º da Constituição
Federal:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
RESPONSABILIDADE.CIVIL. ERRO MÉDICO. ATENDIMENTO PELO
SUS.
PERFURAÇÃO DA ALÇA INTESTINAL. PERITONITE. ÓBITO DA MÃE E COMPANHEIRA DOS
AUTORES. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE MEDIDAS
NECESSÁRIAS PARA DIAGNOSTICAR A EVOLUÇÃO DO QUADRO DA PACIENTE, QUE SE AGRAVOU
QUANDO INTERNADA NO HOSPITAL PRESTADOR DE SERVIÇO PÚBLICO. PERDA DE UMA CHANCE.
CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. Apelação provida com base no art. 37, §6º
da CF, responsabilidade objetiva do estado onde o SUS também responde
objetivamente, eis que a paciente deixou de ser atendida, valor da condenação
fixada a titulo de danos morais R$ 1500.000,00 mais pensionamento de 60% do
salário mínimo na época do óbito.
(Apelação Cível Nº 70057823767, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 31/01/2014).
O Sistema único de Saúde representa um direito
social garantido constitucionalmente elencado no art. 6º, da Constituição
Federal, tendo como um dos princípios de base a dignidade da pessoa humana e,
ainda por ser um Estado democrático de Direito, tem como objeto principal
superar as desigualdades sociais e ainda tenta realizar a tão desejada justiça
social.
Cada vez mais se
detecta a omissão de ocorrências na saúde pública em que evidenciamos que o
Estado não está bem aparelhado para atender a demanda imensurável de cidadãos
que dependem desse sistema de saúde, de forma integral, gratuita e igualitária.
Por consequência dessa problemática o Poder Judiciário, como guardião da lei
maior, intervém fazendo com que o Estado cumpra seu dever constitucionalmente
imposto.
Doenças mais
complexas como câncer, doenças cardiovasculares, que necessitam de medicamentos
de última geração, acabam por pressionar cada vez mais o custo do sistema
público, eis que são tratamentos que a maioria dos planos de saúde acabam por
não custear, alegando não fazer parte do plano contratado.
Grande parte da população
brasileira não tem como custear estes altos valores de tratamentos com recursos
próprios- ainda aqueles já mencionados que têm planos de saúde, mas a cobertura
não é integral-, de outra banda, mesmo os que têm plano privado, acabam por
processar o Estado em busca da real efetivação do direito à saúde mencionado na
carta maior, e o poder judiciário vem fiscalizando o poder executivo. Isto tudo
para que não sobrecarreguem o SUS ou ainda os cofres públicos, eis que ambos
são provedores de tais recursos.
Como se sabe, a saúde é um
direito indiscutível. O Poder judiciário vem concedendo muitas liminares a
pacientes de risco, para que estes possam ter tal tratamento necessitado; o
descumprimento dessas decisões do judiciário sujeita o Poder Executivo ao
pagamento de multa diária, essa com valores bem significativos. Dito isso,
entende-se que seria menos oneroso ao Estado que cumprisse seu dever
constitucional conforme acordado, sem que o cidadão precisasse fazer uso de seu
direito através do judiciário.
HOSPITAL PÚBLICO EM CASO DE MORTE
A responsabilidade do Estado quando presta serviços
públicos é objetiva, encontrando sustentação na teoria do risco administrativo
e descrição no art. 37, §6º, da Constituição Federal.
Indenização pretendida por danos morais, buscando a responsabilização do
Hospital por danos morais e materiais, em razão do falecimento de paciente,
marido e genitor dos autores, foi verificada a prestação de serviço defeituoso,
responsabilidade objetiva do hospital, nos termos do art. 14 CDC, por não ter realizado
o procedimento de endoscopia de emergência, imediato necessário ao adequado
diagnóstico. Situação essa que nos permite aplicar a teoria da perda de uma
chance, critério essa que deve ser empregado para quantificação da compensação
pela perda de uma oportunidade que não se confunde com a indenização cabível
para que as hipóteses em que a responsabilidade do dano é totalmente imputada
ao réu. Afastou-se os danos materiais.
Arbitramento de compensação Por danos morais, em razão do sofrimento inegável
decorrente da perda de um ente querido, também limitado ao critério
supramencionado. Valor fixado ao apelante em R$40.800,00 que se mostra
adequado. Sucumbência mantida. Recurso parcialmente provido’’ (TJ SP-AP.
0109291-45.2008.8.26.0004, 18/07/2013, Rel. João Pazine Neto.)
Conforme a
ótica do art. 14, caput do CDC, o hospital enquadra-se entre os fornecedores de
serviços e responde independentemente de culpa. Isto porque a relação que se
forma entre o estabelecimento hospitalar e seus usuários, é um relação de
consumo, como tal deve ser tratada, pois nada mais faz o hospital do que
oferecer seus serviços aos que dele necessitem. Quando se tratar de serviços
médicos prestados pelo hospital como fornecedor de serviços, a apuração da
responsabilidade independe da inexistência de culpa.
Segundo PABLO STOLZE
GAGLIANO[21]
Essa regra da responsabilidade objetiva é taxativa, pois se aplica
também aos hospitais filantrópicos (100% SUS), eis que atividades com intuito
assistencial não afasta a responsabilidade pelo dever geral de vigilância e
eleição de que deve manter com seus profissionais.
Assim,
tratando-se de direito à saúde e a vida humana, estes resguardados
constitucionalmente como garantia fundamental irreiterável, a circunstância dos
serviços prestados serem gratuitos não diminui o dever de a entidade hospitalar
assegurar os direitos do paciente.
Nessa perspectiva, segue o
entendimento da 4º turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios, no processo 1999.011.050.983-9, que condenou o Estado do Distrito
Federal a pagar R$40.000,00 de indenização para a família de uma servidora
morta em um hospital publico por negligencia de um auxiliar de enfermagem. A
vítima reclamava de coceira no pescoço e o prescrito era aplicação de 0,3
milímetros de adrenalina, por via subcutânea, mas foi aplicado 3 milímetros na
veia, ocasionado a morte de Sebastiana Monteiro dos Santos. O Distrito Federal
alegou caso fortuito e culpa exclusiva do auxiliar de enfermagem, entretanto os
desembargadores entendem ser responsabilidade objetiva o Estado ter que reparar
o dano causado a terceiro e se tratar de negligencia do profissional, sendo
então rejeitada a alegação de caso fortuito.
O código de Defesa ao Consumidor é muito claro
em assegurar que só se utiliza o sistema alicerçado no fato culpa para
responsabilizar pessoalmente o profissional liberal, enquanto que a
responsabilização do hospital será apreciada coletivamente. Ou seja, os médicos
que mantém vínculo empregatício com pessoas de direito público ou privado, em
que a reparação será suportada pelos referidos estabelecimento, estes têm
direito de regresso, reavendo, daquele por quem pagou no que houver pagado de
seus subordinados.
CONCLUSÃO
Nota-se que a evolução
histórica que se deu desde a noção de que deveria fazer o mal contra o mal até
a atual, onde se puni basicamente para sanar o dano, se faz extremamente
necessária à sociedade em geral, principalmente porque o Estado passou a
intervir nos conflitos privados, retirando o poder de fazer justiça com as
próprias mãos.
Com a transformação da
sociedade decorrente da tecnologia, ciência e diversos fatores surgiram também
novos ataques ao patrimônio e à pessoa. E, conclusivamente, é incabível não
retornar quem sofreu algum dano a sua situação anterior a este.
Obviamente
haverá danos com maior sensibilidade e que deverão ser sanados imediatamente,
como no caso da pessoa que procura os serviços do profissional da medicina
quando se encontra com problemas de saúde e, mais drasticamente, em casos de
risco de vida. O cuidado se encontra na aplicação da responsabilidade do
médico, sendo que sua profissão não é uma matemática livre de erros e somente
poderá ser responsabilizado quando agir de modo imprudente, negligente ou
imperito. Ademais, essa relação estabelece uma obrigação de meio, sendo
necessário o emprego de métodos adequados, atenção e zelo necessários, sem a
garantia de cura.
Em casos
de atendimento em hospital público a questão se faz ainda mais delicada por
ser imposta ao Estado a responsabilidade objetiva, por determinação
constitucional expressa em seu artigo 36, §7°.
O
expressivo aumento das demandas judiciais acerca do tema demonstra a
necessidade de maior valoração a toda e qualquer atitude do ser humano, fato
que justifica os julgadores não corroborarem com a irresponsabilidade perante o
outro de qualquer cidadão.
CIVIL LIABILITY OF THE
DOCTORS AND THE INTEGRALLY PUBLIC HOSPITALS IN DEATH CASE
ABSTRACT
In the world where we
live of enormous dynamism in the relations between the individuals daily if
they verify harmful events, which fit the injured one essentially to be
repaired. From there the civil liability appears, trying to make the victim to
return to its previous state of the damage. To declare the indemnity the
relation of causality between the damage and the behavior of the agent is
indispensable, being that in some cases the agent can not have had guilt, but
will answer for such. Thus it happens with the public hospitals, that is, will
always answer objective, subject of extreme importance in the current days visa
the value of much treatment of health that in makes them to search right
guaranteed constitutionally. Ahead this problematic one, it deals with the
present article of the civil liability, with approach in the professional of
medicine and the integrally public hospitals.
KEY WORDS:
Responsibility. Damage. Indemnity. Health.
[1] Estudante de Direito da Universidade de
Santa Cruz do Sul, 9° semestre. E-mail: priscilaunisc@hotmail.com.
[2] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.
175-6.
[4] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil,
14. ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 21.
[5] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona, NOVO CURSO DE Direito Civil, 11. Ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p.
82.
[6] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 14.
Ed., São Paulo: Atlas, 2014, p.20.
[8] Curso de DIREITO CIVIL BRASILEIRO,19.
Ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 109.
[9] LISBOA, Roberto Senise, MANUAL ELEMENTAR DE DIREITO CIVIL, 2.
Ed., vol. 2, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 201.
[10] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 14.
Ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 252.
[11] Programa
de resonsabilidade civil, 5. Ed., Editora Malheiros, p. 468.
[12] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 14.
Ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 14.
[13] LISBOA, Roberto Senise, MANUAL ELEMENTAR DE DIREITO CIVIL, 2.
Ed., vol. 2, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 182
[14] COELHO, Ulhoa. Curso de direito civil, obrigações e responsabilidade civil, 5.
Ed., Saraiva, 2012, p. 287.
[16] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, Ed. 2011, vol. 4,
p. 43.
[17] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO,
Pamplona Rodolfo, Direito Civil-
Responsabilidade Civil, vol.3, Editora Saraiva, São Paulo, 11ª Ed., 2013,
p. 267.
[18] DINIZ, Maria Helena, Curso de
Direito Civil- Responsabilidade Civil, Vol. 03. Editora: Saraiva. 16ª Ed.
2002, p.336
[19]
AGUIAR, Zenaide Neto. SUS- Sistema Único
de Saúde. Antecedentes, percursos, perspectivas e desafios. 1° Ed., 2011: Martinari,
p.43.
[20] VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil-
Responsabilidade Civil, vol.4, Editora Atlas, 2014, p.42
[21] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo
Pamplona. Direito Civil- Responsabilidade
Civil, Vol. 3. Editora Saraiva, 2013. p.279.